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Longe do clássico, balé fitness torna a dança acessível e democrática

Modalidade tonifica o corpo e auxilia na preparação física para outros esportes


Reportagem: Mariana Souza

Edição: Vitor Hugo Batista


Nos anos 1950 e 1960, a tenista Maria Esther Andion Bueno conquistou 19 títulos de Grand Slam – evento mais importante de tênis do ano, que reúne os torneios Australian Open, Roland Garros, Wimbledon e o US Open. A brasileira ficou conhecida como “bailarina do tênis” e o apelido não foi à toa. A atleta utilizava o balé na preparação física para melhorar seu desempenho no esporte. Assim como ela, a curitibana Glacy Gabardo alia o útil ao agradável quando vai às aulas de balé fitness semanalmente no Espaço Dança do Círculo Militar do Paraná, em Curitiba. Lá, ela também busca um melhor preparo físico para praticar outro esporte: o tênis. “Para mim, é tudo de bom. O balé é muito prazeroso”, ela conta.


O balé fitness é uma modalidade que virou febre nos últimos anos. Perdeu a obrigatoriedade dos trajes clássicos, como collant, meia calça e saia crepe, e importou exercícios de outras vertentes, entre elas o Ballet Barre – passos feitos com auxílio da barra de apoio – e o Pilates. Sua principal função é utilizar as técnicas da dança para fortalecer e tonificar o corpo, trabalhando equilíbrio, postura e noções de espaço. Não tem restrição de idade nem gênero. A atividade ajuda inclusive na recuperação de fraturas.


Como em todo exercício físico, uma avaliação médica prévia é sempre necessária. A contraindicação depende do médico, como em casos de labirintite. Para Thiago Gonçalves Nel, professor de Glacy e bailarino profissional, nada impede que os exercícios sejam adaptados.


A modalidade mais moderna trabalha todas as variantes da dança, mas não todos os exercícios. Em uma aula de balé clássico, por exemplo, tem aquecimento e treino de sequências de passos, incluindo giros e piruetas, ao ritmo de músicas clássicas. Já no balé fitness, a estrutura da aula é diferente. Depois do aquecimento, há somente exercícios na barra de apoio, para fortalecimento de pernas, e no centro da sala de aula em colchonetes, como abdominais e fortalecimento de membros superiores. E tudo isso ao som de músicas atuais, de artistas como Lady Gaga, Florence and the Machine e da banda Imagine Dragons.


MAIS ACESSO, MAIS CULTURA


Mais do que trazer tonificação e fortalecimento ao corpo, o balé fitness também amplia o acesso de pessoas que nunca tiveram contato com atividades físicas e, em especial, a dança. A maioria das alunas que frequentam as aulas de Thiago têm entre 30 e 50 anos, e nunca fizeram balé antes. “Elas observam, conhecem a atividade e ficam satisfeitas com o estilo da aula. Até porque não querem uma formação na dança, apenas os benefícios dos exercícios”, ressalta o professor.


“Você passa a disseminar cultura, as alunas começam a acompanhar os espetáculos, a ter mais acesso”.


Glacy, que não é fã de academias, acredita que a versão mais atual do balé desmistifica o perfil clássico que ela tinha e deixa a dança mais popular e acessível. Para ela, a junção com músicas mais atuais do gênero pop tornam as aulas prazerosas: “O balé fitness traz o desafio de fazer o exercício certo no momento certo da música. Para mim, é uma arte inserida em um contexto mais popular”.


Para Thiago, o balé fitness oferece oportunidades para quem não quer entrar em uma escola de formação de bailarinos para se profissionalizar. A proposta dessa modalidade é outra: introduzir a dança em um meio informal e oferecer os benefícios de uma atividade física comum. “Se não fosse essa oportunidade, elas não teriam acesso ao balé. Você passa a disseminar cultura, as alunas começam a acompanhar os espetáculos, a ter mais acesso”, aponta o professor.


NEM SÓ DE MULHERES É FORMADO O BALÉ


Thiago, que tem bacharelado em Dança, conta que seu início na arte demorou – consequência da falta de incentivo e desestímulo causado pelo machismo estrutural. As escolas de balé em que tentou se matricular só recebiam meninas. “Ainda existe muito preconceito, por isso o homem adulto não tem essa cultura, não se sente à vontade no balé. Quando tem a possibilidade de fazer, são apenas modalidades específicas, como as danças em pares”, frisa. Mas se engana quem acredita que a dança sempre foi modalidade do público feminino.


Na Grécia Antiga, era praticada apenas por homens, como treinamento para soldados. Na Idade Média, a figura masculina também tinha protagonismo no balé da Corte Real, com mulheres excluídas dos papéis pela Igreja conservadora e influente. Os trajes eram pesados, por isso os passos eram pequenos e delicados. As apresentações representavam submissão ao rei e a seu poder absoluto.


O apogeu da dança só viria 100 anos mais tarde, no reinado de Luís XIV. O monarca, que ocupou o trono francês por um longo tempo, era tão apaixonado pela dança que exigiu a codificação dos passos de balé. Os movimentos ganharam nomes que conhecemos até hoje, como plié, frappé e tendu. No século XIX, deixa de lado os castelos e passa a compor peças de teatro, recebendo mulheres e tornando-se instrumento para educação feminina. Nos salões da nobreza europeia a dança também era forma de paquera.


Teóricos como Judith Lynne Hanna e Mariangela da Rosa Afonso apontam que o balé está muito ligado às questões de gênero e sexualidade, por ter como instrumento principal o corpo. Com a predominância feminina nesses espaços, o imaginário comum criou a ideia de que a dança é tipicamente feminina.


Em 1987, Jânio Quadros chegou a proibir que alunos frequentassem aulas na Escola Municipal de Bailado, como forma de preservar a heteronormatividade* na cidade. A medida foi tomada quando era prefeito da capital paulista e motivou a expulsão de profissionais do Balé da Cidade de São Paulo. Apesar disso, com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, o artigo 5º passou a garantir a igualdade de todos os brasileiros perante a lei.

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